APLV x Intolerância à Lactose: Entenda as diferenças

Intolerância à Lactose

Nos últimos anos, aumentou significativamente a procura por diagnósticos relacionados a desconfortos alimentares causados pelo consumo de leite e seus derivados. Entre os termos que mais geram confusão estão a Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) e a intolerância à lactose. Embora ambas envolvam reações adversas após a ingestão de leite, são condições bastante distintas — em causas, sintomas, tratamento e impacto na rotina de crianças e adultos.

Compreender essas diferenças é essencial não apenas para o diagnóstico adequado, mas para que pacientes e famílias encontrem o suporte necessário com segurança e sem restrições alimentares desnecessárias.

APLV: uma reação imunológica, não apenas digestiva

A APLV é uma condição que acomete principalmente bebês e crianças pequenas. Trata-se de uma reação imunológica às proteínas do leite de vaca, como a caseína, alfa-lactoalbumina e beta-lactoglobulina.

Isso significa que o organismo reconhece essas substâncias como “agressores” e desencadeia uma resposta de defesa — que pode envolver desde manifestações gastrointestinais até sintomas respiratórios e dermatológicos.

Essa resposta pode ser mediada por anticorpos do tipo IgE (forma imediata e potencialmente grave) ou não mediada (mais lenta, muitas vezes com sintomas crônicos e difíceis de identificar). Há ainda casos mistos.

Os sintomas da APLV variam, mas costumam incluir:

  • Diarreia persistente ou com sangue;
  • Cólica intensa;
  • Vômitos ou refluxo importantes;
  • Dermatite atópica (eczema);
  • Chiado no peito ou tosse crônica;
  • Irritabilidade, distúrbios do sono e perda de peso.

É importante destacar que a APLV pode se manifestar mesmo com o bebê sendo alimentado exclusivamente com leite materno, já que traços das proteínas do leite de vaca consumido pela mãe podem passar para o leite humano. Nesses casos, é comum que o pediatra recomende uma dieta de exclusão para a mãe.

Intolerância à lactose: um problema enzimático, não alérgico

Já a intolerância à lactose é uma incapacidade do sistema digestivo de digerir a lactose, o açúcar natural presente no leite. Isso acontece por deficiência ou ausência da enzima lactase, responsável por quebrar a lactose no intestino delgado.

Ao contrário da APLV, a intolerância não envolve o sistema imunológico. É um quadro exclusivamente digestivo, e seus sintomas surgem geralmente entre 30 minutos e 2 horas após o consumo de leite ou derivados. Entre os mais comuns estão:

  • Inchaço abdominal;
  • Gases;
  • Diarreia ou fezes amolecidas;
  • Cólica ou desconforto abdominal;
  • Náusea.

Esse quadro é mais frequente em adolescentes e adultos, e raro em bebês, uma vez que a lactase é produzida em abundância nos primeiros anos de vida. Em algumas populações, a deficiência de lactase é considerada uma condição fisiológica com o avanço da idade.

Diagnóstico: por que é importante diferenciar?

Distinguir APLV de intolerância à lactose é fundamental porque o tratamento, os riscos e o manejo alimentar são completamente diferentes.

No caso da APLV, o diagnóstico deve ser realizado por um médico, com base no histórico clínico, exame físico, exames laboratoriais, uma dieta de restrição e testes de provocação controlada. É comum que o diagnóstico demande acompanhamento com alergistas ou gastropediatras, e que a exclusão alimentar seja monitorada por nutricionistas especializados.

Já a intolerância à lactose pode ser investigada com testes respiratórios (teste do hidrogênio expirado), testes genéticos ou dietas de exclusão temporária com reintrodução gradual.

Um erro comum é que pais retiram o leite da dieta da criança por conta própria, sem confirmação diagnóstica. No caso da APLV, isso pode ser perigoso se não houver acompanhamento nutricional, já que a criança pode desenvolver carências importantes de cálcio, vitamina D, proteínas e outros micronutrientes.

No caso da intolerância, a retirada completa pode ser desnecessária — muitas pessoas conseguem tolerar pequenas quantidades de lactose, especialmente quando ingeridas com outros alimentos.

Tratamentos distintos, cuidados complementares

Na APLV, a única forma de evitar reações é a eliminação completa das proteínas do leite de vaca da dieta. Isso vale também para traços escondidos em alimentos industrializados e, em casos severos, até em utensílios contaminados. Algumas crianças precisam usar fórmulas especiais, como as extensamente hidrolisadas ou à base de aminoácidos.

A intolerância à lactose, por outro lado, pode ser manejada com a redução da ingestão de lactose e/ou uso de enzimas lactase em cápsulas ou gotas. Além disso, há produtos com baixo teor de lactose ou lactose zero disponíveis no mercado.

Confundir APLV com intolerância à lactose pode levar a atrasos no diagnóstico, risco nutricional e sofrimento desnecessário. O ideal é buscar sempre acompanhamento médico e não fazer exclusões alimentares por conta própria. Além disso, reconhecer os sinais do corpo — e da criança — é o primeiro passo para um cuidado mais preciso e acolhedor.

Com o suporte adequado, ambas as condições podem ser bem manejadas, garantindo segurança, nutrição e qualidade de vida para quem convive com elas.

Referências:

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual de aspectos nutricionais em situações especiais na infância e adolescência. São Paulo: SBP, 2024. 110 p.

ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA. Como fazer o diagnóstico da APLV? Disponível em: https://www.alergiaaoleitedevaca.com.br/articles/details/como-fazer-o-diagnostico-da-aplv.

SOLÉ, Dirceu et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 1 – Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Revista da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 1-27, 2018. Disponível em: http://aaai-asbai.org.br/detalhe_artigo.asp?id=851.

PEREIRA, Ana Carolina da Silva; MOURA, Suelane Medeiros; CONSTANT, Patrícia Beltrão Lessa. Alergia alimentar: sistema imunológico e principais alimentos envolvidos. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v. 29, n. 2, p. 189-200, jul./dez. 2008.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Entenda as diferenças entre alergia e intolerância alimentar. Publicado em 19 set. 2022. Atualizado em 03 nov. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/setembro/entenda-as-diferencas-entre-alergia-e-intolerancia-alimentar.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Intolerância à lactose. 28 nov. 2017. Disponível em: https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria-para-familias-new/noticias/news/intolerancia-a-lactose/.